Coitadinha da bichinha, saiu toda destrambelhada!
( Tá achando? Essa história aconteceu comigo, danado! )
... e eu que achava que nunca mais iria contar essa história novamente! Mas como todo bom contador de histórias - VERÍDICAS no meu caso - não poderia deixar essa de fora.
  A alguns anos, talvez 10, ou 12... e meio, eu e meu velho amigo de aventuras, Bruno Costa - hoje se aventurando já a uns 8 ou 9 anos nos Estados Unidos - decidimos fazer uma "trilha" de bike, num local tradicional entre a galera do off-road. (sem tradução  pra ficar bonito) de Teresópolis, cidade natal de ambos. Decisão tomada, pedalada iniciada.
     Subimos bastante tempo na estrada que antecedia a entrada da trilha, com nossas bikes preparadas, envenenadas, turbinadas. Pneus dentados, bancos de gel, freios a disco, enfim... uma papagaiada só! ah! capacetes... capacetes? ih é! capacetes! esquecemos os capacetes... que lindo!.
A subida até a boca da trilha era bastante íngreme, mas não nos importávamos tanto com o sacrifício, valia a pena quando descíamos - e se valia!
     Ao começarmos a descer com nossas bikes “envenenadérrimas, podíamos sentir o sangue agitar-se em nossas veias. A adrenalina, a emoção, o perigo, a velocidade, o medo (medo?), não conhecíamos essa palavra naum!, ouvimos dizer um dia, numa terra muito remota e distante  daqui, na terra da obscuridade da criança sozinha perdida no Parque – porém, a respeitávamos muito, mas não podíamos levá-la conosco, não tínhamos espaços nos bagageiros. 
A velocidade avançava na medida que pegávamos as retas... nas curvas? As vezes freávamos - as vezes, viu?! Lembro-me de um fato e logo me corrijo, que minha bike estava com pneus slick – pneus para estrada – liso - uma coisa dos deuses – mas não fiquei preocupado - levava jeito pra coisa (hum, levava jeito, linda!) -  tinha o braço firme, e isso não seria um problema. Como talvez vocês estivessem esperando - eu não cai na trilha, em momento algum - não seria esse o motivo dessa historinha magnifica.
    Terminamos a descida ainda em estado de adrenalina, o sangue parecia que borbulhava em nossas veias, parecia um vulcão em atividade, uma tsuname (sai daeee exagerado!!!). Daí seguimos para a estrada, ainda pela parte rural da aventura. Uma estrada de chão batido se entendia diante de nós. Nas laterais, pasto, vacas, bois, cavalos... montanhas, universo - mas tudo cercado, direitinho, parecia que estávamos fazendo parte de um postal de fim de ano na Fazenda. Na medida que pedalávamos, conversávamos, até que começamos a pedalar mais, e mais, e mais rápido, até que parecia que estávamos competindo para as olimpíadas de Seul.
A velocidade ia aumentando, e já estávamos pedalando com o corpo de pé, ou seja, a marcha já não respondia ao nosso desejo de correr – como se tivéssemos um fusquinha 69, e quiséssemos alcançar 283 km/h – mas isso era o espírito de competição – o desejo encoberto de ganhar, de vencer, de estar a frente., de ser o  "mió".
     Até que... avistamos uma coisa ao longe, uma... sei lá... uma...  uãh vaca? Não... deve ser um cavalo? ...ãh? – Lá no meio, lá no longe,  no longe-longe do mais longe que a gente podia ver,... vimos um ponto, é... um pontinho, minúsculo, um sei lá o que de tão pequeno e longe. Mas no fundo do fundo, sabíamos que se tratava era  de um animalzinho, inocente, mancinho, tadinho... derrepente até um búfalo, um  hipopótamo das Arábia, um rinoceronte das maldivas, com dentes de crocodilo cheio de fome, querendo comer gente... e ainda ia usar os raios da roda da bicicleta pra espalitar os dente... – que delicia, que coisa linda de papai... mas e daí?! Iríamos parar, voltar, ele iria nos morder, nos comer, nos matar? ... naaada!
      Aí é que começamos a pedalar com mais velocidade, na intenção de passarmos um de cada lado - até porque, na medida que fomos chegando mais pertinho daquele bichinho dócil, pudemos perceber que se tratava era de uma vaquinha, pastando, tranqüila, serena, a saborear aquelas graminhas fresquinhas ainda com cheiro de bosta, que ainda resistiam na trilha das carroças – e isso com o burrão virado pra nós – O problema não seria se ela nos mordesse, o pior seria se um de nós errasse o caminho e voasse de cabeça no furíco dela – ôh que delícia seria ficar preso naquele lugar medonho!
Bom, acho que nosso plano não estava muito errado, era só passarmos bem velozes, mais bem velozes... que ela nem iria sentir que estávamos ali, acreditava eu, um verdadeiro idiota, enfim. Pelo menos foi isso o que pensamos naquele momento. Mas ela, se pensa... pensou diferente de nós. Como, talvez por milésimos de segundos, eu tive uma impressão de que não daria muito certo - detalhe - e talvez este meu pensamento repentino me fez perder a liderança – que pena eu de mim - e por isso o bandido do Bruno já estava na minha frente, roubando a liderança, e isso não foi legal, vai vendo!
Não sei bem o que aconteceu exatamente – o Bruno seria o mais indicado para  narrar esses segundos que se seguem, pois acho que meu vôo, nesse caso, sem asas, tenha sido um tanto quanto, hipnótico. Acho que tirei um sono aéreo, uma sonequinha rápida - aquela gostosa depois do almoço sabe? Acho que fui abduzido.
     O Bruno na minha direita “acelerando”, a vaca lá na frente, linda, imóvel, inerente (palavra bonita), e eu, já com o meu “turbo turbinado” preparado pra acelerar na disparada. Passamos... ou melhor... o Bruno passou... eu? eu fui é me lascar, tomei no centro do boga, direitinho, sem pausa pra “cunversa”. Só lembro de ter notado que ela havia atravessado na minha frente, e eu... levantado vôo, lindo, sublime, um pássaro despenado caindo da gaiola, e de peito, como uma gazela pulando a cerca, parecia que eu tinha recebido uma bolada no peito na grande área, e acordado do outro lado do estádio. Deslizei na grama entre a cerca de farpado e o chão batido do caminho - será que foi gol? Alguém sabe?
      O Bruno, já parado, lá do meu lado, a uns 50 passos da zona de impacto, se “cagava de rir” - uma simpatia só, uma cumplicidade, uma compaixão pelo próximo - e caíra no chão também, sem agüentar, de tanto rir. E eu? ainda com as duas mãos nos punhos e os pés nas pedaleiras, no chão, deitado, quase desmaiado, ainda não acreditava no que acontecera – Alguém anotou a placa, hein? Tiraram meu dente pra lavar, foi? Mais tava eu lá vivinho da Silva e Bragança pra contar a história. E sem hematomas que é o mais importante, nem cortes... talvez alguns arranhões, mas não me lembro agora no momento da reflexão!.
     A vaca, coitadinha da bichinha disse ele - saiu toda baqueada,  destrambelhada, parecia que tinha tomado uns 89 comprimido de Gardenal com Tequila - cambaleando em disparada, não sabia nem pra onde, a coitada.
Riamos como crianças no chão -  ôh cena inesquecível que me alegra tanto o coração nos momentos de angústia (nada haver!)  Acredito que nunca havíamos rido tanto – de mim - como neste dia. A barriga doía. A cova das bochecha perecia que ia furar nossa cara feia... O Bruno,  em meio as risadas disse que nunca  havia visto uma cena tão engraçada – pra ele, só se for! - em toda a sua vida - que  quando percebeu que a vaca iria correr pro lado dele, esperto se apressou - o lindo - e deixou o “meu” na reta (amizade eterna). Pra sorte dele... e azar do Santos Dumont aqui que vos escreve – pôde assistir de camarote aquela magnífica cena de filme de ação, quando eu dei a pancada maior do mundo na lateral  da bichinha, na barriga da sortuda da vaquinha, e com tanta violência, mais tanta violência, ah, meu Deus que violência! nem queira lembrar a vaquinha desse dia lindo de sol, que o meu corpo suspendeu uns 80 mil Quilômetros de altura (só pra dar emoção), numa cambalhota perfeita,  num giro completo no ar por cima da danada – parecia a equipe de duble de Hollywood - me estabacando, sem efeito especial, lá  na frente... de peito... deslizando como um saco de bosta na grama! Uma cena linda, digna de cinema, merecia o Oscar de melhor vídeo cacetada do universo. ah, se alguém tivesse filmado - tava rico, o "filmador" do inferno, e eu, famoso, milionário, todo quebrado, mas rico, o home mais rico do mundo.
Vocês não estavam imaginando que eu fosse cair lá do outro lado da fazenda, em pé? e saísse pedalando né? Aí eu nem ia ter coragem de contar essa proeza do sertão.
A cena pra ele foi tão engraçada quanto pra mim, mas ainda sim, eu queria vê-lo no meu lugar, bandido!
      Engraçado ou não, acredito que essa tenha sido uma das coisas mais interessantes que aconteceram na minha vida (ô lembrança ordinária) - primeiro por essa ter sido a situação mais hilária, e segundo por ter tido naquele momento – agora momento intelectual, respeite! um livramento de Deus, acredito. Por Ele não ter me deixado bater em alguma parte óssea do animal, e quebrado o bichim todo, e também por na hora da queda eu não ter me chocado com os troncos da Cerca que se estendiam ao meu lado... e mesmo não estando de capacete, não ter sofrido nenhuma pancada na cabeça. Mas como toda história engraçada que se preze tem que terminar com alguém se lascando no final, essa não foi diferente, me lasquei todin pra ganhar o roteiro.
Lembro-me com carinho e sorriso no rosto, e dor no joelho, dessa bela história, e a dedico com orgulho, a esse grande e velho amigo de tempos, que já não o vejo a esses tantos anos. Boneco, um abraço, danado, ah seu eu te pego bichin!
(Hellon Rocha)